12/05/2021
.pela.literatura..
“Quando escrevo, quando invento, quando crio a minha ficção, não me desvencilho de um ‘corpo-mulher-negra em vivência’ e que, por ser esse ‘o meu corpo, e não outro’, vivi e vivo experiências que um corpo não negro, não mulher, jamais experimenta”.
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Li essa passagem na orelha do livro “Insubmissas Lágrimas de Mulheres” e me perguntei: como ser leitora, como ler e escrever sobre histórias nas quais não possuo um lugar de fala?, – não sou uma mulher negra, não sou protagonista desse cenário, não vivi na própria pele essas experiências contadas -, então, como refletir sobre esses assuntos, como fazer uma ‘escrevivência’ sem as vivências dessas páginas? – mesmo sem uma resposta, entreguei-me à sensibilidade da escrita dessa mulher maravilhosa que é a Conceicão Evaristo.
Pedi licença e como mulher, ainda que não negra, ainda sem sentir a dor do preconceito racial, adentrei um universo onde a imensa sensibilidade de uma, a autora desse livro lindo, contou os sentimentos das outras que buscavam uma voz de delicada ternura para fazer com que suas dores, alegrias, sonhos e esperanças ganhassem o mundo.
Vi a tristeza nascida na solidão de Natalina Soledad; enxerguei a dor sem tamanho da mãe Paixão que se agiganta para defender a cria; espreitei o amor incondicional de uma Ana, tão Santa, que abdica de si para que o outro se complete; vi Maria partir sem escolha, perder o rosário de sua história; perdi as vistas na cruel hora em que o preconceito cai sobre vastidão de Campo Belo – foram muitas as andanças e, quase sempre, eu me calava no mutismo que me cabia, pois como li nessas páginas: “guardei silêncio, o momento de fala não era meu” – embarguei minha voz.
Mas Conceicão, generosa que é, levou-me para dançar com Dusreis; abriu-me os olhos com a visão nascida de uma Luz; e quando já me despedia, percebi estar diante de uma verdadeira Rainha, empoderada Anastácia, esperando sem pressa a hora do seu poente. Foram muitas vidas que conheci, emoções inimagináveis se apoderaram de mim e quando minha voz já não era o bastante, meus olhos teimaram e, nesse momento, éramos todas mulheres, donas de tantas lágrimas...insubmissas lágrimas..